quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Bogomilo: voz dos injustiçados e dos oprimidos



Sob o reino do [...] tsar Pedro (século X), um padre chamado Bogomilo [...] foi o primeiro a pregar a doutrina herética na Bulgária [...]” 

Esta citação foi extraída de um tratado contra Bogomilo. O pouco que conhecemos dele provém quase que apenas dos escritos de seus inimigos. De acordo com um velho documento búlgaro, ele foi anatematizado duas ou três vezes, o que demonstra o quanto era temido pela Igreja oficial e a amplitude de sua influência: um movimento gnóstico inteiro levava seu nome. Pelo fato de figurar na lista dos autores interditados, ele deve também ter propagado seu ensinamento por escrito. Ele é apresentado como um homem inteligente, muito audaz, que exercia grande autoridade sobre seus semelhantes.

Ele começou como padre ortodoxo e esteve muito próximo do povo, mas era totalmente contrário ao cristianismo oficial (romano), em que rituais pretensamente sublimes representavam um grande papel e davam uma importância preponderante à forma. Esse tipo de cristianismo estava muito distante da mensagem original: a necessidade de adquirir uma fé viva para que, em todos os aspectos de sua existência, o ser humano ligue sua alma ao Espírito do reino dos céus.

Bogomilo não foi o único a perseguir esse objetivo. Ele não foi o fundador da assim chamada Igreja Dragoviciana, porém consideramo-lo o representante das doutrinas dessa Igreja, de alguns ensinamentos paulicianos e das concepções maniqueístas. Ele juntou esses ensinamentos, que se tornaram conhecidos naquele tempo como Igreja Búlgara e Igreja Dragoviciana. Devemos ver isso na forma de duas correntes dirigentes no interior de uma grande rede de fraternidades isoladas que, partindo mais ou menos do mesmo ponto, procuravam viver de acordo com os mesmos princípios. Disso, Bogomilo era o coração irradiante.

Assim como muitos outros, Bogomilo condenava a arbitrariedade da Igreja e do Estado e seu sistema de opressão. Ele compartilhava as idéias de múltiplos grupos gnósticos que atuavam no sul dos Bálcãs, em particular a ideia da existência de dois campos de vida separados, o que formava o próprio coração de sua crença. Ele considerava seus adeptos “theotokos”, ou seja, aqueles que devem “engendrar Deus”.

Ele chegou a formular o direito à liberdade e à salvação das almas injustiçadas e dos oprimidos que não tinham a possibilidade de se expressar. Ele defendia a ideia de que existem dois princípios no ser humano, um terrestre e um celeste, e que o princípio celeste deveria sair vitorioso sobre o princípio terrestre. Lemos em um texto bogomilo:

O corpo que trazemos é uma criação das trevas, a alma que nele habita é o primeiro homem e o germe da luz.
O primeiro homem foi vitorioso no país das trevas, e também em nossos dias ele triunfará no seu corpo mortal.
O Espírito vivente, que outrora irradiou sobre o primeiro homem, é, ainda hoje, nosso consolador, o “consolamentum”.

Não sabemos se Bogomilo caiu nas mãos de seus perseguidores ou se pôde continuar na clandestinidade. Todos os seus testemunhos escritos foram manifestamente destruídos, porém não se conseguiu evitar as influências de seu ensinamento na literatura de seu tempo. Os bogomilos mesclaram o essencial de sua fé na forma de mitos e de lendas com a literatura búlgara. Exemplos dessa fé podem ser encontrados nos contos, nos cânticos e nos poemas. Na Bulgária, bem como em muitas partes da Europa e da Ásia, a sabedoria gnóstica floresceu outra vez.

Esses movimentos desencadearam uma rebelião na Idade Média e obrigaram a Igreja da época a mostrar sua verdadeira face: uma instituição onde a religião estava ligada às autoridades e cuja reação contra os movimentos gnósticos de então constituiu um dos capítulos mais sombrios de sua história.

A luz sempre triunfará

Os representantes da Igreja oficial qualificaram de dualista a doutrina pregada por Bogomilo. Os dogmáticos esforçavam-se para provar que esses pretensos heréticos tinham parte com as trevas em oposição ao reino de Deus. Ora, a mensagem de todo sistema qualificado de gnóstico é que a luz triunfa sobre as trevas.

Contrário às várias insinuações, Bogomilo e seus numerosos partidários ensinavam que existia apenas um princípio divino único, e que o dualismo apenas aparecera quando Satanael, o mais importante dos anjos, decidiu, contra o princípio divino original, criar seu próprio mundo, uma terra e uma humanidade, tornando-se assim o princípio mesmo do mal. Trata-se, portanto, de um dualismo temporário, pois Satã será vencido pela luz e seu mundo desaparecerá.

O fato é que, na sombria dualidade, a unidade da luz é rompida, dividida em dois pólos opostos. Isso não ocorreu apenas num passado longínquo, porém acontece diariamente e sempre. A lei da dualidade, a dialética, nos acua e não cessa de nos importunar no espaço e no tempo até o momento em que acabamos por compreender que somos seus prisioneiros e que devemos nos libertar dela. É preciso que a luz interior oculta, na qual reconhecemos a verdade, ponha-se a brilhar em nós de tal maneira que possamos rejeitar a ilusão da dualidade. Eis as palavras de uma antiga prece bogomila:

Purifica-me, meu Deus, purifica-me no interior e no exterior.
Purifica corpo, alma e espírito, para que os germes da luz cresçam em mim e me transformem num archote.
Transforma-me em flama que transmuda em luz tudo em mim e ao meu redor.

Fonte:

Revista Pentagrama (Lectorium Rosacrucianum), ANO XXVIII, Nº 4 (agosto de 2006), pp. 19-21.


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